Editorial
O lucro a qualquer custo
Têm sido chocantes os relatos que surgem a partir da descoberta de que mais de 200 pessoas vinham sendo submetidas a um regime de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, na região da Serra gaúcha. O caso tornou-se público na noite de quarta-feira, depois que a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e servidores do Ministério do Trabalho e Emprego realizaram uma ação naquele município para libertar estes trabalhadores, cuja mão de obra era aplicada na colheita da uva em grandes vinícolas e também em aviários.
Dentre os abusos a que eram submetidos, estes homens eram obrigados a viver em alojamentos em péssimas condições, com alimentação inadequada, estragada, sem direito a qualquer tipo de conforto ou descanso. Situação piorada pelo fato de que produtos básicos para o consumo precisavam ser comprados pelos trabalhadores, que tinham os valores - muito acima do normal - descontados dos seus pagamentos. No fim das contas, pagavam para trabalhar. E o mais grave: as informações que agora vêm à tona apontam para violência física e psicológica cometidas pelos supostos empregadores, incluindo até mesmo ameaças de morte.
Se é chocante e o maior caso de trabalho comparável à escravidão da história do Estado, este da Serra, no entanto, está longe de ser o único. Lamentavelmente. No ano passado, por exemplo, o Diário Popular noticiou que na Zona Sul, nas cidades de Jaguarão e Santa Vitória do Palmar, foram identificados casos em que quatro pessoas eram mantidas em condições degradantes em propriedades rurais nas quais eram contratadas para trabalhar. Mais: conforme o escritório regional da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Fetar Sul), a média de notificações deste tipo era de dez por mês.
Embora nem todas as denúncias que surgem apontem para tamanha violência como as ocorridas em Bento Gonçalves, fato é que ainda hoje persistem na sociedade brasileira episódios em que contratantes sentem-se à vontade para explorar pessoas que colocam seu trabalho à disposição na confiança de que serão, no mínimo, pagas por isso, com direitos respeitados conforme a legislação. Tanto que a média anual no País tem sido em torno de mil pessoas resgatadas de condições comparáveis à escravidão. Casos que só vêm à tona por conta de fiscalização, mas sobretudo de denúncias de quem consegue escapar. O que indica a necessidade de um olhar ainda mais atento de toda a sociedade para o problema. Especialmente de quem é suficientemente informado para ter consciência de que a lucro nenhum justifica o uso de trabalhadores como se fossem máquinas passíveis de serem submetidas a condições degradantes.
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